A Criação :
Primeiro, havia o Caos,
que era o Nada do Mundo,
e isto era tudo quanto nele havia.
Nem Céu, nem Mar, nem Terra
- nada disto havia.
Apenas três reinos coexistiam :
o Ginnungagap (o Grande Vazio),
abismo primitivo e vazio,
situado entre Musspell (o Reino do Fogo)
e Niflheim (a Terra da Neblina),
terra da escuridão e das névoas geladas.
Durante muitas eras, assim foi,
até que as névoas começaram a subir
lentamente dasprofundezas do Niflheim
e formaram no medonho abismo de Ginnungagap
um gigantesco bloco de gelo.
Das alturas abominavelmente tórridas do Musspell,
desceu um ar quente e este encontro do calor
que descia com o frio que subia de Niflheim
começou a provocar o derretimento
do imenso bloco de gelo.
Após mais alguns milhares de eras -
pois que o tempo, então, não se media
pelos brevíssimos anos de nossos afobados calendários -
o gelo foi derretendo e pingando e deixando entrever,
sob a outrora gelada e espessa capa branca,
a forma de um gigante.
Ymir era o seu nome -
e por ser uma criatura primitiva,
dotada apenas de instintos,
o maniqueísmo batizou-a logo de má.
Ymir dormiu durante todas estas eras,
enquanto o gelo que o recobria ia derretendo mansamente,
gota à gota, até que,
sob o efeito do calor escaldante de Musspell,
que não cessava jamais de descer das alturas,
eis que ele começou a suar.
O suor que lhe escorria copiosamente do corpo
uniu-se, assim, à água do gelo,
que brotava de seus poderosos membros -
e este suor vivificante deu origem aos
primeiros seres vivos.
Debaixo de seu braço
surgiu um casal de gigantes
e da união de suas pernas
veio ao mundo outro ser da mesma espécie,
chamado Thrudgelmir.
Estes três gigantes
foram as primeiras criaturas,
que surgiram de Ymir;
mais tarde, Thrudgelmir geraria Bergelmir,
que daria origem à toda
a descendência dos gigantes.
Entretanto, do gelo derretido também surgira,
além das monstruosidades já citadas,
uma prosaica vaca de nome Audhumla,
de cujas tetas prodigiosas manavam quatro rios,
que alimentavam o gigante Ymir.
Audhumla nutria-se do gelo salgado,
que lambia continuamente da superfície,
e, deste gelo,
surgiu ao primeiro dia o cabelo de um ser;
no segundo, a sua cabeça;
e, finalmente, no terceiro, o corpo inteiro.
Esta criatura egressa do gelo chamou-se Buri
e foi a progenitora dos deuses.
Seu primeiro filho chamou-se Bor,
e, desde que pai e filho se reconheceram,
começaram a combater os gigantes,
que nutriam por eles um ódio
e um ciúme incontroláveis.
Esta foi a primeira guerra
de que o universo teve notícia
e incontáveis eras sucederam-se
sem que ninguém adquirisse a supremacia.
Finalmente, Bor casou-se
com a giganta Bestla
e, desta união,
surgiram três notáveis deuses:
Wotan (também chamado Odin),
Vili e Ve.
Dos três, o mais importante é Wotan,
que um dia chegará a ser o maior
de todos os deuses.
E, porque assim será, um dia,
ele próprio disse a seus irmãos :
- Unamo-nos a Bor e destruamos Ymir,
o perverso pai dos gigantes !
Os quatro juntos derrotaram, então,
o poderoso gigante, e com sua morte,
acabou também a quase totalidade
dos demais de sua espécie,
afogada no sangue de Ymir.
Um casal, entretanto,
escapou do massacre :
Bergelmir e sua companheira,
que construíram um barco
feito de um tronco escavado
e foram se refugiar em Jotunheim,
a Terra dos Gigantes,
onde geraram muitos outros.
Desde então, a inimizade estabeleceu-se,
definitivamente,
entre deuses e gigantes,
cada qual vivendo livremente em seu território,
mas sempre alerta contra o inimigo.
Dos restos do cadáver do gigantesco Ymir,
Wotan e seus irmãos moldaram
a Midgard (Terra-Média) :
de sua carne, foi feita a terra;
enquanto que, de seus ossos
e seus dentes,
fizeram-se as pedras e as montanhas.
O sangue abundante de Ymir
correu por toda a terra
e deu origem ao grande rio
que cerca o universo.
- Ponhamos, agora,
a caveira de Ymir no céu
- disse Wotan a seus irmãos,
após haverem completado
a primeira tarefa.
Wotan fez com que quatro anões
mantivessem a caveira suspensa nos céus,
cada qual colocado num dos pontos cardeais.
Em seguida, das faíscas do fogo de Musspell,
brotaram o Sol, a Lua e as estrelas;
enquanto que, do cérebro do gigante,
foram engendradas as nuvens,
que recobrem todo o céu.
Entretanto,
após terem remexido a carne do gigante,
com a qual moldaram a terra,
os três deuses descobriram nela
um grande ninho de vermes.
Wotan, penalizado destas criaturas,
decidiu dar-lhes, então,
uma outra morada,
que não, o Midgard.
Os seres subumanos,
que pareciam um pouco
mais turbulentos que os outros,
foram chamados de Anões
e receberam como morada
as profundezas sombrias da terra
(Svartalfheim).
Os demais,
que pareciam ter um modo
mais nobre de proceder,
foram chamados de Elfos
e receberam como morada
as regiões amenas do Alfheim.
Completada a criação de Midgard,
caminhavam, um dia,
Wotan e seus irmãos
sobre a terra
para ver se tudo estava perfeito,
quando encontraram
dois grandes pedaços
de troncos caídos ao solo,
próximos ao oceano.
Wotan esteve observando-os longo tempo,
até que, afinal, teve outra grande idéia :
- Irmãos, façamos de um destes troncos
um homem
e do outro,
uma mulher !
E assim se fez :
ele foi chamado de Ask (Freixo)
e ela, de Embla (Olmo).
Wotan lhes deu a vida e o alento;
Vili, a inteligência e os sentimentos;
e Ve, os sentidos da visão e da audição.
Este foi o primeiro casal,
que andou sobre a terra
e originou todas as raças humanas
que habitariam por sucessivas eras
a Terra-Média.
Depois que Midgard
e os homens estavam feitos,
Wotan decidiu que era preciso
que os deuses tivessem também
uma morada exclusiva para si :
- Façamos Asgard
e que lá seja o lar dos deuses!
- exclamou ele, que, como se vê,
era um deus de energia
e vontade inesgotáveis.
Este reino estava situado acima
da elevada planície de Idawold,
que flutuava muito
acima da terra,
impedindo que os mortais
o observassem.
Além disso,
um rio cujas águas nunca congelavam
- o Iffing -
separava a planície
do restante do universo.
Mas, Wotan,
sábio e poderoso como era,
entendeu que não seria bom
se jamais existisse um elo de ligação
entre deuses e mortais.
Por isso, determinou
que fosse construída a ponte Bifrost
(a ponte do Arco-íris),
feita da água, do Fogo e do Mar.
Heimdall,
um estranho deus nascido
ao mesmo tempo de nove gigantas,
ficaria encarregado, desde então,
de vigiá-la noite e dia
para que os mortais
não a atravessassem livremente
no rumo de Asgard.
Para isso,
ele portava unia grande trompa,
que fazia soar todas as vezes
que os deuses
cruzavam a ponte.
A morada dos deuses possuía
várias residências,
as quais foram sendo ocupadas
pelos deuses
à medida que iam surgindo.
O palácio de Wotan,
o mais importante de todos,
era chamado de Gladsheim.
Ali, o deus supremo
tinha instalado
o seu trono mágico,
Hlidskialf,
de onde podia observar tudo
o que se passava nos Nove Mundos
e receber de seus dois corvos,
Hugin (Pensamento)
e Muniu (Memória),
as informações trazidas
das mais remotas regiões do universo.
Entretanto,
se na mais alta das regiões estava situado
o paraíso daquele soberbo universo,
nas profundezas da terra,
muito abaixo de Midgard,
estava o Niflheim,
o horrível e gelado
Reino dos Mortos.
Lá pontificava
a sinistra deusa Ú,
filha de Loki,
que se regozija
com a fome, a velhice e a doença,
e que tem ao lado
a serpente Nidhogg.
Esta se alimenta dos cadáveres dos mortos
e se dedica a roer continuamente
uma das raízes da grande árvore
Yggdrasil,
um freixo gigantesco
que se eleva por cima do mundo
e deita suas raízes nos diversos reinos,
entre os quais,
o próprio Asgard.
Ao alto da copa frondosa
desta imensa árvore,
sobrevoa uma gigantesca águia,
que vive em guerra aberta
contra a serpente Nidhogg.
Um pequeno esquilo
- Ratatosk -,
que passa a vida a correr
desde o alto da Árvore da Vida
até as profundezas
onde está a terrível serpente,
é o leva-traz dos insultos
que estas duas criaturas
se comprazem em trocar
sem jamais esgotar seu infinito
estoque de injúrias.
Nesta árvore fundamental,
diz a lenda que o próprio Wotan
esteve pendurado
durante nove longas noites,
com uma lança atravessada ao peito,
para que pudesse aprender
o significado oculto das Runas,
o Alfabeto Nórdico,
que rege e governa a vida
dos deuses e dos homens.
Quando seu martírio terminou,
Wotan havia se tornado,
definitivamente,
o mais poderoso e sábio dos deuses,
tendo o poder de curar doenças
e de derrotar os inimigos
com sua poderosa lança,
Gungnir -
ao mesmo tempo,
sua mais poderosa arma
e local de registro
de todos os seus acordos.
Yggdrasil
é o centro do mundo,
e, enquanto suas raízes continuarem
a suportar o peso
de seu prodigioso tronco
e de seus ramos infinitos,
o mundo estará firme
e a vida será soberana,
sob os auspícios de Wotan,
Senhor dos Deuses.
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